quarta-feira, 16 de junho de 2010

Dia 02: 16/06/10. Zubiri - Puente La Reina. 47 kms.

Que dia! Meu Deus!

Comecei o dia saindo do albergue de peregrinos de Zubiri lá pelas 08:00. O alberge de Zubiri foi o primeiro albergue público em que fiquei (em Saint Jean havia ficado em um albergue privado), e era muito bom, por sinal. Tudo muito limpinho, organizado, com internet grátis e tudo mais.

Saí do alojamento pra ver como estava o tempo. E o danado não dava sinais de que iria colaborar. Mas vamos lá assim mesmo. Coloquei toda a bagagem na Poderosa e saí para tomar café da manhã num bar que o Johan (o espanhol que me deixou ver o jogo do Brasil) havia me indicado na noite anterior. Comi 2 torradas bem grandes com manteiga e um suco de laranja e comprei um sandubão sinistro pra levar pelo Caminho.

O início foi tranquilo, sem muitas dificuldades. Segui por muito tempo numa trilha que ia beirando um rio. E a medida que ia pedalando me encontrava com outros peregrinos que seguiam a pé. No albergue em Zubiri havia 3 ciclistas, mas eles decidiram ir pela estrada para evitar o barro. Pela estrada? Fala sério. Quem tá na chuva é pra se queimar! Fui pela trilha mesmo e me molhei mesmo! Choveu praticamente o dia todo. No início era uma chuva bem fininha, não sei nem se dá pra chamar de garoa. Mas a danada molhava e o frio castigava. Às vezes dava uma engrossada, às vezes ameaçava parar, mas insistia em cair. E eu pensando que ia pegar um sol desgraçado! Até agora ele mal mal deu um oi.

Cheguei a Pamplona, mas só de passagem. Meu destino hoje era Puente La Reina, uns 15 ou 20 km adiante. Pamplona me pareceu uma cidade bem legal. Conheci um pouquinho porque o Caminho passa por dentro dela. Uma cidade grande, mas não pude ficar pra conhecer mais, porque ainda tinha bastante chão pela frente e a chuva já estava tirando meu humor. Seguir a sinalização dentro de Pamplona foi um pouco mais complicado, era difícil percebê-la em meio a tantas placas. Coisas de cidade grande. Me perdi lá dentro, mas rapidinho, com a ajuda dos moradores, encontrei de novo o rumo. Bora!

Antes de sair da cidade, uma passadinha na Universidade de Pamplona para carimbar a credencial de peregrino. Vale! Vamonos!

Segui passando por Cizur Menor e Cizur Mayor, uns pueblozinhos. Logo peguei a trilha de novo, sempre com a maldita companhia da chuva.

Alto do Perdão! Nunca vou esquecer esse lugar. Um morro desgraçado que faz jus ao nome. Mas numa das várias subidas antes de chegar ao Alto, tive uma grata surpresa, um grupo de 5 ciclistas estava descansando debaixo de uma árvore. Eles me ofereceram um biscoitinho que estava bom demaaaaaaais. Acho que já era a fome chegando. Comi o biscoito pra dar uma enrolada na fome e deixei guardado o resto do sanduba que ainda tinha. Começamos a conversar e descobri que eram 3 venezuelanos (um cara e 2 meninas), uma colombiana e o marido dela, um dinamarquês. Um pessoal muito gente boa. Começamos a pedalar juntos mas eles estavam com um pouco de dificuldade, por causa do peso e da falta de treino, e por isso iam mais devagar.

Desde que sai de Zubiri só tinha um pensamento: un baño caliente! Não conseguia pensar em outra coisa e por isso acabei os deixando pra trás. Sobe, desce, sobe, desce... Até que as coisas começaram a ficar feias. Quando pensava que o pior já tinha passado... O bicho pegou! E o Caminho é assim mesmo. Achei que nada poderia ser pior que o primeiro dia, a subida dos Pirineus, mas hoje percebi que ainda tem muita pedreira pela frente e tenho que estar preparado para tudo. Isso me fez lembrar, inclusive, o que meu tenente nos dizia no exército: "Senhores, nada é tão ruim que não possa piorar!", e dizia mais: "É bom porque é ruim, seria melhor se fosse pior!". Lembrei muito dos tempos de exército, dos perrengues que passei lá... Mas o que vinha pela frente era tão difícil quanto.

Quando comecei a subir um morro, já perto do Alto do Perdão, tive muita dificuldade. Não dava para pedalar nesse trecho e a lama era muita, muita mesmo. Até empurrar a bike estava difícil porque escorregava muito, o pé não firmava no chão. Tive que ir de pouquinho em pouquinho. Me lembrei dos amigos da Venezuela e voltei para ajudá-los. As meninas estavam com muita dificuldade. E o Caminho é isso, uns ajudando os outros. Deixei a bike mais adiante e voltei. Peguei várias pedras para por ao longo da subida. Pisando nas pedras ficava mais fácil subir. Algum tempo depois eles apareceram perguntando o que tinha acontecido comigo. Disse que tinha parado pra ajudá-los, porque aquele trecho estava muito ruim. Me agradeceram e fomos passando uma bike por vez. Daí em diante continuamos juntos por muito tempo, até finalmente chegarmos ao Alto do Perdão. Mas antes enfrentamos um atoleiro danado. O barro era tanto (e parecia uma argila) que as rodas das bikes travavam e não se podia nem mesmo empurrar. Empurrávamos um pouco e logo parávamos para tirar o excesso de barro. E assim foi, empurrando, parando, tirando barro... Quando chegamos no Alto o pneu do dinamarquês furou. E eles não tinham câmara de ar reserva. Ele ia tentar achar o buraco na câmara no meio daquele barro todo. Dei a minha câmara reserva pra ele. Pneu trocado, continuamos.

Tínhamos 2 opções e eles me perguntaram se queria ir pelo asfalto ou pela trilha. Foi aí que ensinei a eles minha velha máxima: o que é um peido pra quem tá cagado? Juliana (a colombiana) riu demais. E fomos pela trilha. Era uma descidinha bem divertida, com muita pedra solta e que exigia bastante atenção. Eu e o Tommy (o dinamarquês) fomos na frente. Os outros estavam com um pouco de receio e foram mais devagar, empurrando. Quando pensávamos que já estava chegando... Outro atoleiro sinistro! Não é possível! E foi aquela novela toda de novo. Empurra, para, tira barro, empurra, para, tira barro... Quando enfim conseguimos passar esse atoleiro, nos encontramos com 2 ciclistas que tinham parado pra limpar o barro todo. Tirei um pouco do barro, o grosso, e tentei pedalar. Estava difícil. Um desses ciclistas que estava limpando a bike me disse pra não tentar pedalar, disse para tirar todo o barro antes para evitar que quebrasse o câmbio ou algo assim. Parece que foi praga! Metros depois só ouvi um estalo e vi meu câmbio voando! Não acreditei. A primeira coisa que pensei é que meu Caminho tinha terminado ali, no meio daquele barro. Estávamos entrando em um pueblo, era uma descida. Então subi na poderosa e acabei de chegar. A idéia era procurar uma oficina de bike, mas, em um albergue, me informaram que ali não tinha, talvez em Puente La Reina, a 7 km! O pessoal resolveu lavar as bikes. Como dali até Puente La Reina era praticamente só descida eu resolvi ir na frente, pela rodovia, e ficamos de nos encontrar em um albergue lá. E assim foi. Fui descendo com a Poderosa sem poder pedalar e quando chegava nas retas fazia dela uma patinete. Com um pé me equilibrava no pedal e com o outro ia dando impulso. Que luta!

Quando enfim cheguei em Puente fui logo procurar saber se tinha uma oficina de bike por lá e... Não, não tinha! Me disseram que em Estella com certeza tinha. Nessa hora me bateu um desespero! Mas tentei manter a calma e pensar. Perguntei a um senhor sobre o albergue em que tinha combinado de me encontrar com os venezuelanos, e ele, apontando para o alto de um morro, me disse que era lá, mas que já estava cheio. Era só o que faltava. Dei meia volta e fui para outro albergue que tinha visto um pouco antes. Pedi uma cama e disse que mais 5 amigos estavam para chegar. O hospitaleiro disse que tinha as vagas e fiquei um pouco mais tranquilo. Mas como o pessoal ia saber que tinha ido pra lá? Esperei um pouco e nada de eles aparecerem. Decidi, então, tirar a bagagem da Poderosa e começar a me instalar no albergue. Afinal já eram umas 7 da noite. Tirei tudo, pus num canto lá e deixei a poderosa acorrentada na rua com a bandeirinha do Brasil, na esperança de que assim os venezuelanos pudessem ver que eu estava por lá. Se passou mais de uma hora e nada. Tirei a Poderosa da rua e, com um balde d`água tentei tirar o que pude do barro que estava por toda a parte.

Depois fui lavar umas roupas, comprar algo pra comer à noite e no outro dia de manhã. Só depois de tudo isso consegui enfim tomar aquele baño caliente com o qual tanto sonhei o dia todo. Mas estava mal, muito mal. Me senti mal por ter forçado a barra com a Poderosa e vê-la depois naquele estado. Lembrei do filme Náufrago. Acho que me senti exatamente como o náufrago, só que o Wilson era a Poderosa. Ela esteve comigo o tempo todo, sempre valente, e quando ela precisou de mim eu pisei na bola. Estava com muito medo de que meu Caminho tivesse terminado, de que não tivesse conserto pro câmbio (porque o suporte de fixação do câmbio havia empenado e temi que não pudesse ser consertado), que a Poderosa pudesse morrer como a Original (de "Diários de motocicleta").

Depois de tomar o banho e comer uma "tortilla de patata" fui procurar um telefone para ligar para casa, mas sem sucesso. Fui, então, para o computador fazer contato com alguém para que pudesse ligar para casa, tinha prometido que ia ligar. Consegui falar com a Mayra e ela ligou pra casa e disse que estava tudo bem comigo. Mas, na verdade, não estava muito. Comecei a chorar muito, copiosamente, como uma criança. Soluçava. Foi uma descarga emocional. Não conseguia parar de chorar e a Mayra, gracinha, me confortava pela net. No meio disso tudo um francês me ouviu chorar e veio me confortar. Ele não me entendia muito bem. Porque não falo francês (e ele só falava francês) e chorava tanto que não conseguia pronunciar nada, nem em português. Mas foi muito legal. Ele me consolou. Sei disso não por entender suas palavras mas por entender o que dizia com o olhar. Nos abraçamos e o choro não parava. Disse a ele pra não se preocupar, que estava bem. Ele foi dormir e eu fiquei lá. Aos poucos fui me acalmando e, no fim, o que sentia era um grande alívio. Compreendi que o Caminho estava me dando minha primeira lição. E era pra isso mesmo que estava ali. Percebi que sozinhos não somos nada, que não temos controle sobre absolutamente nada, e que um simples abraço vale muito! Foi duro, e só de lembrar meus olhos se enchem de água. Vou me deitar, afinal já é pra lá de meia-noite e o povo acorda cedo. Amanhã, procuro uma solução.

Ah... Umas fotos desse dia fatídico de hoje.






10 comentários:

Elisa disse...

Que tudodibão Lequito!! Que raça!! Parabens! Vamos curtir juntos a jornada!!
Lindas as fotos tb!!!
Bjao

Lulys disse...

Ôooo seu MF!!! Força! Estamos te acompanhando e nos deliciando com a aventura. A Poderosa vai sobreviver, tenho certeza!!! Um abraço bem quentinho pra vc! Chora mesmo, alivia. Vai dar tudo certo! BJOOOO

Anônimo disse...

Valeu, gente! Vamo que vamo!
Ps.: quem diabos é "daydreaming"? Hahahaha.

C.L disse...

Fernando, que cilada o dia de ontem en? Mas é assim mesmo, é nas dificuldades que nos damos conta do quanto somos fortes e capazes de superar as diversidades da vida, aprender com nossos erros... E principalmente, dar valor á coisas simples, mas essenciais... Como dizia o poeta: " ...No fim, tú has de ver que as coisas mais leves são as unicas que o vento nao conseguiu levar... "

To adorando o "Diarios de bicicleta"...

Força! Espero que hj tenha sido melhor que ontem...

Bjoo

Valentina disse...

É a Liba, Leco!!!
Fiquei com uma dozinha de vc chorando!! Mas mto orgulhosa tbm desse meu amigo!!

Anônimo disse...

Valeu, Carol! Obrigado pela força. hj foi melhor sim!
Vamo que vamo!
Bj!

Anônimo disse...

Nossa, Valen... Acho que nunca chorei tanto na minha vida. Não conseguia nem falar. As palavras não saiam. Mas agora tá tudo bem.
Deus tá comigo e confio nele!
Bjão!

G. Sotero disse...

Caramba! Quase chorei tb! Força amigão! Vai com fé!

Unknown disse...

Lequitoooo!!!
Meu coração está meeega apertado aqui!!!!
Quero ler os outros dias aqui pra saber o que aconteceu!
beijo grande!!!

Mateus Gomes Carvalhaes disse...

Fernandim...

Força velho...

Não desista dos seus sonhos!!!