quarta-feira, 30 de junho de 2010

Dia 16: 30/06/10. Santiago - Finisterre. 95,8 kms.

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Cheguei! Finisterre! O fim da Terra! 887,8 kms depois e 2 quilos a menos.

Que dia! Não sei nem por onde começar direito.

Bom... Acordei cedo e confesso que foi muito difícil retomar a rotina do Caminho depois de um dia de folga. O percurso começou com uma trilha cheia de pedras e escassa de peregrinos.

Um dia cinza. Não pelo céu, que bem azul prenunciava muito calor pela frente, mas pelo sentimento. Dizem que os elefantes sentem a morte chegar e se afastam do bando para morrer. Era um pouco assim que eu me sentia. Sabia que a "morte" estava próxima. A morte de uma vida diferente, de uma vida que tinha se iniciado dia 15 em Saint Jean e tinha data de validade. Sentia que estava acabando. E ao mesmo tempo em que já mal suportava aquela rotina dura, nao queria "morrer". Já sentia falta de tudo aquilo. Os olhos se encheram de lágrimas. Sentia saudades de pessoas que mal tinha conhecido, de pessoas com as quais tinha trocado apenas sorrisos. Que loucura!

Logo no início um tombo nas pedras me fez despertar. Era como se dissesse: "Ainda não acabou! Ainda tem 90 kms pela frente!". Entendi o recado. Concentração e foco. O trecho de Santiago a Finisterre era pra ser feito em 2 dias, de acordo com meu cronograma. Mas a ansiedade de chegar logo ao Fim da Terra me fez por na cabeça que esse dia só terminaria em Finisterre.

Como eu disse, poucos peregrinos no caminho para Finisterre. A maioria vai mesmo só até Santiago. Mas o simbolismo de chegar até o Fim da Terra mexeu comigo. Segui por muitos e muitos kms sozinho e sem ver praticamente ninguém pelo caminho. Melhor assim. Mais tempo pra pensar, refletir. Fazer um balanço dessa "vida" tão maluca.

Sobe, desce, sobe denovo, torna a descer... Assim foi por longuíssimos 70 e tantos kms. Mas numa dessas subidas... Cara! Foi incrível. À medida em que ia subindo, ia surgindo no horizonte, bem ao fundo, o azul do Oceano Atlântico! Mal conseguia acreditar no que estava vendo! Foi muito emocionante! Gritava feito um louco! Não sabia se tirava foto, se ficava lá parado olhando... Foi muito intenso. Subi na Poderosa de novo e fui descendo morro abaixo aos gritos e gargalhadas! Foi engraçado demais!

E assim foi por um bom tempo. Descendo, gritando, gargalhando. E quando dei por mim estava lá embaixo na praia. Não pensei 2 vezes. Deixei a Poderosa num canto, tirei o capacete, os tênis, e sai correndo pro mar. Um mergulho no Atlântico! Que água fria! Mas acho que foi o melhor mergulho da minha vida! Me sentia leve, de alma lavada. Mal lembrava que ainda faltavam mais uns 10 kms até Finisterre (aquela praia era antes de Finisterre). Por algum tempo fiquei ali em pé na areia da praia. Olhava o mar, lembrava de tanta coisa que tinha vivido no Caminho, pensava: "Eu consegui, eu consegui!". Que sensação boa! Mas e os 10 kms que ainda faltavam? Bom... É melhor puxar o barco logo, afinal já são quase 6 da tarde.

Segui pra Finisterre. E ainda tive que aturar uns bons kms de subida. O Caminho terminava no Farol do Cabo de Finisterre, bem no alto de um morro. Subi até lá enfrentando uma ventania que, às vezes, parecia que ia me jogar no chão. Mas isso não era nada perto de tudo que já tinha enfrentado pra chegar até ali.

Já no Farol, muitas fotos e muita contemplação. Cara, é o Fim da Terra! O ponto mais extremo do oeste da Europa. Ficava imaginando que do outro lado daquela imensidão de água estava o Brasil e junto dele meu Outro Caminho.

Às vezes penso que o Caminho tem um "que" de Big Brother. Agora acho que entendo um pouco quando aquele povo, lá dentro daquela casa, diz que aquilo é outro mundo, um mundo paralelo, um mundo dentro de outro mundo. O Caminho é assim. A gente vive essa "vida" intensamente e esquece de todos os outros problemas, de todas as outras preocupações que outrora nos cercavam. Nossas preocupações são tão simples... Acordar, tomar um café da manhã, pedalar, pedalar, pedalar, almoçar (quando é possível, rs...), jantar, dormir...

Outras vezes o Caminho se parece com A Caverna do Dragão. A gente pedala, pedala, pedala, sem saber direito aonde vai chegar, ou mesmo se vai chegar.

Mas se o Caminho é uma "vida", acho que foi uma vida bem vivida. Cheia de tombos (muitas vezes literalmente), voltas por cima, sofrimentos, alegrias, sorrisos, lágrimas, encontros, desencontros... Como uma vida deve ser.

Foi uma experiência ímpar na minha vida e queria muito agradecer a todos que de alguma maneira fizeram e fazem parte dos meus Caminhos. Não só deste que termina hoje (termina mas não acaba) aqui em Finisterre, mas, principalmente, Daquele que ainda há de ser muito longo e cheio dos mesmos tombos, voltas por cima, sofrimentos, alegrias, sorrisos, lágrimas, encontros, desencontros... Obrigado a todos!

E foi assim que cheguei ao Fim da Terra.








O Atlântico surgindo ao fundo!














No farol do Cabo de Finisterra. O Fim da Terra, literalmente.








O marco zero do Caminho!


terça-feira, 29 de junho de 2010

Dia 15: 29/06/10. Santiago.

Bom... Como cheguei a Santiago um dia antes do previsto resolvi ficar por aqui hoje e só seguir pra Finisterre amanhã. E foi muito bom ter ficado aqui.

Pela primeira vez depois de dias pude acordar tarde sem me preocupar em arrumar toda a tralha pra pedalar. Dormi bem, descansei muito e só levantei lá pelas 10:30 da manhã. Que mordomia! Rs...

E a primeira providência foi correr atrás da minha Compostela, o certificado que é dado aos peregrinos que terminam o Caminho. Pergunta daqui, pergunta dali, e descobri onde era o lugar onde eles entregam a Compostela. Fui pra lá. Uma fila considerável enchia as escadas do lugar. Não tem problema, só saio daqui com a minha Compostela, pensei.

Enquanto aguardava a minha vez, uma grande surpresa. Descendo as escadas, já com a sua Compostela na mão, vi a Claudinne, a brasileira que tinha conhecido ontem no Caminho, a do GPS! Foi muito bom revê-la! Pensei que não nos veríamos mais. Demos um grande abraço e ela me mostrou a Compostela, orgulhosa. Nao queríamos nos perder de vista e ela disse que me esperava do lado de fora do prédio. E não é que esperou mesmo!? Ela queria muito ir à missa que começaria em poucos minutos mas mesmo assim me esperou. Muito legal. Peguei minha Compostela e quando saí da sala a Claudinne estava na porta, dentro do prédio mesmo. Demos mais um abraço e sai descendo as escadas rindo muito e beijando a Compostela. Deu pra ouvir o riso de quem ainda aguardava na fila.

Fomos pra missa. A Capela estava bem cheia e foi muito legal perceber que havia tanta gente diferente unida por um mesmo objetivo, uma mesma crença. Gente de todo tipo, de várias nacionalidades, várias culturas... Que loucura! Ficava olhando e imaginando o que teria levado cada um daqueles peregrinos até ali e quantas dificuldades cada um teria passado pelo Caminho até estar ali, diante daquele altar.

Terminada a missa fomos almoçar, junto com o Alejandro, um argentino muito boa praça que a Claudinne tinha conhecido pelo Caminho. Comemos uma pizza, conversamos, tomamos um vinho... Já eram quase 4 da tarde e a Claudinne ainda nem tinha tido tempo de tomar um banho, descansar... Ela tinha acabado de chegar a Santiago quando a encontrei na fila da Compostela. Ela foi descansar e nos separamos. Mas marcamos de nos encontrar mais tarde. Fui ver o jogo do Paraguai.

Depois do jogo fui pra pensão onde estava hospedado. Tomei um banho e fui buscá-la. Fomos para a praça da Catedral e ficamos lá sentados um tempão conversando, lembrando dos perrengues do Caminho, das pessoas que tínhamos conhecido, dos lugares pelos quais havíamos passado. O papo estava muito bom e nem vimos o tempo passar. Quando percebemos já estava na hora do jogo da Espanha. E ia ser um jogão! Fomos pra um bar pra ver e foi muito legal vibrar junto com os espanhóis a cada chance da Fúria. Sofreram mas ganharam. A noite foi ótima. Foi muito bom tê-la reencontrado. Amanhã vou a Finisterre e ela disse que deve ir pra lá também, só que à noite. Espero que a gente ainda se veja lá.





segunda-feira, 28 de junho de 2010

Dia 14: 28/06/10. Portomarín - Santiago. 94,8 kms.

É isso mesmo! Já estou em Santiago! Um dia antes do previsto. Mas ainda não acabou. Essa aventura só termina em Finisterre, a, mais ou menos, 91 kms de Santiago. Mas vamos por partes...

Ontem vi o jogo da Argentina num bar perto do albergue e conheci 3 espanhóis. Ficamos batendo papo enquanto víamos a equipe do Maradona sapecar os mexicanos. Hoje consegui sair antes das 8 da manhã. A meta era modesta, chegar a Arzúa, a 54 kms de Portomarín, para no dia seguinte, sim, acabar de chegar a Santiago, mais uns 39 kms. Queria fazer um trecho curto, chegar cedo e ver o jogo da Holanda, às 16:00.

O dia amanheceu com céu limpo e a pedalada começou já com subida, subida leve. Mas a neblina, essa sim, estava pesada. Havia momentos em que se via até aquela fumacinha saindo da boca. Mas a subida esquenta! Tirei a blusa de frio e continuei. Aos poucos a neblina foi sumindo, o tempo esquentando e o céu azul reaparecendo.

Boa parte do início do percurso seguiu rente à carretera, parte sempre meio chata. Mas logo o caminho mudou de rumo e as trilhas surgiram. Trilhas e pequenas estradas que passavam por entre várias árvores e pequenos pueblos. Assim é que eu gosto! Às vezes apareciam umas descidas pelo asfalto deliciosas. Numa dessas abri os braços e começei a "bater asas". E quando passei por um grupo grande de peregrinos eles acharam a maior graça e alguns, reconhecendo a bandeira do Brasil, gritavam: "Brasil! Buen Camino!". Foi divertido.

Como eu disse, a meta era modesta. Mas como cheguei cedo em Arzúa, pensei: "Acho que dá pra ir mais um pouco. Assim deixo menos pra amanhã." E fui. Segui mais um pouco e um espanhol me disse que Santa Irene seria uma boa parada, uns 16 kms depois de Arzúa. Segui pra lá. Mas antes de chegar até lá encontrei uma brasileira. Ela estava sentada sozinha e quando já ia perguntar com meu portunhol: "Estás bien?", ela já veio dizendo: "Brasileiro?" Começamos a conversar. Ela contou os perrengues com as tendinites e disse que estava pensando em parar em Santa Irene também. O GPS dela disse que faltava pouco. Seguimos um pouco juntos. Ainda não tinha muita certeza se ia parar em Santa Irene ou em Arca do Pino, que parecia ser uma boa parada também, e estava só mais um pouco além de Santa Irene. Quando o GPS dela disse que Arca não estava muito longe eu decidi tentar chegar até lá antes das 16:00 pra ver o jogo da Holanda. Nos despedimos e segui. Passei por Santa Irene e não achei muita graça. "Vou até Arca pra ver". Acontece que não vi foi nada. Passei por Arca sem nem mesmo notar. E quando encontrei um outro grupo de espanhóis, também de bici, perguntei se faltava muito pra Arca. Me disseram: "Acho que já ficou pra trás." Pra trás? Não é possível! E pra Santiago, quanto falta? 13, disseram. Ah! Agora só paro lá! Vamo que vamo!

O sol já castigava, o jogo já não ia dar pra ver... Santiago na cabeça. O que era pra ser um percurso pequeno acabou se transformando no maior percurso de todo o Caminho. Quase 95 kms. 8 horas e 13 minutos pedalando! Fora as várias paradas. E foi assim, a base de muita água e picolé, que acabei chegando a Santiago. Quando me dei conta, lá estava eu frente a frente com a Catedral. Não teve jeito. Umas 3 lágrimas escaparam e rolaram rosto abaixo. Ficava olhando para a Catedral e lembrando dos momentos difíceis pelos quais tinha passado. A sensação era muito boa. Uma sensação de dever cumprido, de... de... não sei nem explicar direito.

Tirei algumas fotos da Catedral, sentei, fiquei olhando, parado. E de repente... Juliana e Tommy apareceram no meio da praça me gritando: "Fernando, Fernando!" Olhei e custei a reconhecê-los, sem os capacetes, as roupas de bike e todo aquele barro. Mas quando vi que eram eles mal acreditei. Demos um abraço apertado e rimos muito. Pensei que nunca mais iria vê-los depois daquele perrengue no Alto do Perdão. Que prêmio encontrá-los ali!

Mas eles já estavam indo embora. Tinham vôo marcado pra algumas horas mais tarde. Trocamos e-mails e Juliana me deu o telefone da Pamela, que vai chegar amanhã. Juliana e Tommy acabaram chegando antes dos outros. Eles se separaram e cada um seguiu num ritmo. Vou tentar falar com a Pamela amanhã.

Cheguei tarde em Santiago e nem deu tempo de pegar minha Compostela. Foi a conta de arrumar um lugar pra ficar, tomar banho e ver o Brasil detonar o Chile. Rumo ao Hexa!

Os planos agora são de ficar em Santiago amanhã e partir pra Finisterre só dia 30. Não acabou! Ainda tem mais uns 90 e poucos kms pela frente!

















domingo, 27 de junho de 2010

Dia 13: 27/06/10. Triacastela - Portomarín. 41,2 kms.

Hoje só consegui começar a pedalar um pouco mais tarde que o de costume. Saí já eram quase 09:00. Está muito difícil levantar da cama. Ainda mais quando ela está boa, como foi o caso desta noite. Dormi num albergue privado com pouca gente no quarto e o sono foi muito bom. Mesmo assim foi duro levantar. Mas vamos lá!

Logo no café da manhã encontrei com uns amigos espanhóis que conheci há alguns dias atrás, saindo de Rabanal del Camino. Juan, Sara e Sandra ("hermanas gemelas"). Desde que a gente se conheceu em Rabanal, pouco antes da Cruz de Hierro, temos nos encontrado e desencontrado direto pelo caminho.

Começamos a pedalada juntos. Logo na saída de Triacastela as primeiras subidinhas. Muita pedra, neblina e paisagens incríveis! O Caminho ia por trilhas sempre ladeadas por muros de pedra e era fácil perceber que eles estavam ali já há muito tempo. O tempo meio nublado e com bastante neblina deu mais charme à trilha. Me sentia num daqueles filmes medievais. Muito legal! Mas à medida em que o tempo vai passando já não se consegue curtir tanto o visual, o cansaço atrapalha um pouco. O pensamento recorrente é de chegar a Finisterre. E falta "pouco", uns 160 kms, mais ou menos. Mas mesmo assim sempre que vejo uma paisagem imperdível paro e tiro uma foto, duas, três, até ficar do jeito que eu quero. Os amigos espanhóis foram pela "carretera" e eu segui pela trilha. Mais tarde nos encontraríamos de novo.

O trecho de hoje foi, sem dúvida, um dos mais charmosos e bonitos. Pena o cansaço não ter me deixado aproveitar mais.

Hoje não teve muita filosofia, culpa do cansaço também. Rs...

Mas cheguei a Portomarín e foi muito legal ver a praça da cidade. No Brasil, antes de vir, sempre dava uma olhadinha na internet, por uma webcam que exibe imagens ao vivo. E quando vi a Igreja, que sempre via pela webcam, senti como se já conhecesse o lugar. Foi estranho, mas divertido.

Acabei de ver o jogo da Alemanha e mais tarde vou ver a Argentina. Depois de amanhã devo chegar a Santiago e com mais 2 dias a Finisterre. Força!













sábado, 26 de junho de 2010

Dia 12: 26/06/10. Villafranca del Bierzo - Triacastela. 51,6 kms.

Nossa... A cada dia que passa fica mais difícil levantar da cama. Acho que já disse isso, né? Mas tá difícil mesmo.

Ontem pra tomar banho tive que dar uma de McGiver. Grande parte dos "chuveiros" daqui são uma espécie de chuveirinho mas que têm um suporte onde você o encaixa pra poder tomar banho sem ter que ficar segurando. Acontece que no albergue em Villafranca os suportes dos 2 únicos chuveiros estavam quebrados. Pensei: não vou tomar banho segurando chuveirinho de jeito nenhum! O banho é sagrado! Nossa... Se vocês soubessem como é revitalizante o banho quente no fim do dia...

Comecei a pensar como faria pra fixar o chuveirinho no suporte quebrado. Foi aí que lembrei que tinha uns zip-ties na pochete. Perfeito! Peguei os 3, fiz uma gambiarrada danada e consegui amarrar a porcaria do chuveirinho! Agora sim! Tomei meu banho tranquilo.

Realmente não tive condições de assistir o jogo da Espanha. Estava morto. E uma chuvinha chata que resolveu cair no fim do dia foi a pá de cal na minha intenção de ver o jogo. Fui deitar. Deitei cedo. Eram 8 e pouco da noite e eu já estava capotado na cama. Bom pra poupar as energias para o tal do Cebreiro.

Acordei, com muita dificuldade. Café da manhã, antiinflamatório, arrumar as coisas, e pé na tábua. O percurso hoje prometia.

Não demorou a começar a subir. Antes do Cebreiro uma subidinha mais tranquila, seguindo a rodovia. Logo logo já passava dos 15 kms. Por volta dos 21, 22 kms é que começou a diversão!

Vamo lá! Agora é que eu quero ver! Comecei a subir. E não é que o tal do Cebreiro joga duro mesmo. Subidinha desgraçada! Mas eu também sei jogar duro. Comecei bem a subida, que por vezes dava uma suavizada (coisa pouca) e depois voltava a castigar. Cheguei a pensar em tentar zerar (subir sem parar, sem por o pé no chão) o Cebreiro, só de birra. Mas logo percebi que era insanidade e recobrei o juízo. Já na metade, depois de uns 5 kms de subida, resolvi parar um pouco. Deitei no asfalto, tomei uma água, tirei umas fotos, e recuperei as forçar pra acabar de subir.

Lembrei de quando fiz o Curso de Escalador Militar, no exército. O lema era: "Só o cume interessa!" Trocadilhos à parte, o pensamento era só esse mesmo! Chegar lá em cima. Às vezes parecia que o corpo estava no automático. Só ouvia o som da corrente rodando sempre no mesmo ritmo lento. Os quilômetros teimavam em não passar. Raça! "Quando você acha que não aguenta mais é porque ainda tem 10% pra gastar!" Outra pérola dos tempos da caserna. E foi assim que pouco a pouco fui me aproximando do topo.

Faltando ainda uns 3 kms até o Cebreiro, (que é na verdade um povoadozinho no alto do morro) eis que surge um bar! Ah! Parada certa. E olha quem estava lá... O Ezequiel! O brasileiro com quem tinha me encontrado dias atrás, nem me lembro mais onde. "Caralho! Você anda demais!", eu disse. E ele me explicou que acabou fazendo uns trechos de carro. Junto com ele estava um simpático casal de cearenses. Conversamos um pouco e logo retomamos o caminho. Mais um pouco de subida, pausa para uma foto, e me separei deles.

Subi os 2 últimos kms que faltavam e cheguei até o famoso Cebreiro. E pude dizer com orgulho: "Consegui, porra!". Vai ter que ser muito mais que um Cebreiro pra nos deter (eu e a Poderosa)! Como era cedo, resolvi ir um pouco mais além do Cebreiro.

No meio do caminho um basco me disse que Triacastela seria um bom lugar pra pernoitar. Olhei no mapa e resolvi tentar chegar até lá. Mais uns 20 kms, sendo que os 12 últimos seriam, literalmente, morro abaixo! Parti pra lá!

Na última subidinha (subidinha é bondade minha) antes desse "morro abaixo" foi muito estranho me dar conta da minha mente negociando com meu corpo. A mente dizia: "Só mais essa subida, eu garanto. Vamos lá! Só mais um pouco!" E o corpo, depois de um longo silêncio reflexivo e sem muita convicção, respondeu: "Tá bom! Vamo lá então!".

Mas no meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho e... Pá! Chão! Me estabaquei e por lá fiquei por uns 2 minutos até resolver levantar. Nada demais, só um ralado na perna. Não vai ser isso que vai me deter. Levantei, sacudi a poeira, e comecei tudo denovo! Vamos subir!

Cheguei! Agora é morro abaixo até Triacastela! E que boa parada! Logo achei um albergue com internet grátis (gasto pelo menos uns 3 euros por dia com internet) e tv pra ver o jogo das 20:30. E ainda por cima, minutos depois de eu me acomodar no albergue... Chuva! Ah, danada! Quase me pegou!

Agora é lavar umas roupas, descansar e ver o jogo das oitavas! Faltam mais 5 dias! Tamo chegando, Finisterre! Nos aguarde!















sexta-feira, 25 de junho de 2010

Dia 11: 25/06/10. Rabanal del Camino - Villafranca del Bierzo. 59 kms.

Nossa... O cansaço faz a gente até se contradizer. Ontem falei que hoje iria passar pela Cruz de Hierro e depois disse que o dia seria tranquilo, sem subida. Dá onde eu tirei isso? E a subida à Cruz de Hierro? Pois é... O dia começou com subida. Não que tenha sido uma subida desgraçada. Mas deu pra suar um pouquinho. Foram uns 7 ou 8 kms só subindo, até chegar a famosa Cruz. É tradição no Caminho as pessoas levarem uma pedra pra porem aos pés da Cruz. Ontem antes de passar por Astorga, passei numa lojinha pra chupar um picolé e a moça que me atendeu, Vanessa, me disse que é preciso levar a pedra até a Cruz. É a tradição. Se é assim... Fiquei de arrumar uma pedra em Rabanal pra levar até a Cruz, então. Uma pequena, porque já tenho muitas "pedras" na bagagem.

Mas falando na Vanessa... Batemos um papo enquanto eu chupava meu picolé e ela me disse que daqui pra frente o Caminho fica bem bonito e interessante. Bom saber! E antes de eu sair ela me deu um saquinho de chcolate e disse que era um "regalo" para me ajudar no Caminho. E ajudou mesmo! Como eu disse, ontem eu passei a chocolate, praticamente. Energia pra ajudar na pedalada!

Enquanto vou pedalando costumo ir pensando no que vou postar, no que vou contar. Mas o cansaço sempre me trai e acabo esquecendo muitas coisas que queria dizer.

Mas hoje, ao subir até a Cruz de Hierro, fui pensando numa coisa. Tô muito filósofo mesmo! Paulo Coelho que se cuide! Rs... Enquanto ia mudando as marchas na Poderosa, à medida em que a subida ia exigindo, ia pensando... No ínicio, antes de vir pra cá, nos preparativos, tive medo de com uma bike de 21 marchas eu não conseguir fazer o Caminho, não conseguir subir algum morro, coisa assim. Mas colocar 27 marchas na Poderosa ia ser bem complicado. Ia mexer com toda a mecânica dela e ainda corria o risco de não ficar do jeito que eu queria. Resolvi, então, deixar essa idéia de lado e me concentrar em treinar com ela, com as 21 marchas mesmo. Treinar, treinar e treinar. Quem treina bem, joga bem.

Mas voltando a subida da Cruz... Fui pensando como as coisas são curiosas. Se tivesse as 27 marchas, com certeza teria usado as 2 mais leves que teria à disposição. Mas sem elas consegui subir do mesmo jeito e sem me matar. Às vezes nos deixamos acomodar. Quando temos muito, usamos tudo que temos sem nos esforçar muito. Mas quando temos pouco, aproveitamos ao máximo o que temos. Mais uma lição do Caminho. Coisas pequenas, singelas, mas que diante de um olhar mais atento revelam boas lições. Acabei me esquecendo de levar a pedra, mas deixei minha marca. As pessoas deixam de tudo por lá. De tudo mesmo! Até calcinha tinha! Rs... Deixei uma bandeirinha do Brasil com meu nome escrito.

Amanhã, enfim, o famigerado Cebreiro! Veremos se esse bicho de 7 cabeças é mesmo páreo pra mim e pra Poderosa. Com todo respeito! Já aprendi há muitos quilômetros atrás que não se pode subestimar o Caminho.

Mas voltando ao dia de hoje... Depois de subir até a Cruz, começamos a descer. E descer muito! Mas quem foi que disse que descida é sinônimo de facilidade? Que descidas desgraçadas! Muita pedra! Muita! A maioria dos ciclistas optava por ir pela carretera. "Carretera é o caralho! Meu nome é Zé Pequeno, porra!" É como eu digo: "Quem tá na chuva é pra se queimar!" Rs... Fui sempre pela trilha, muitas vezes a duras penas, mas fui.

Se for pra furar ou rasgar pneu, o dia é hoje, pensei. A descida me exigiu uma habilidade e técnica que eu nem sabia que tinha! Desviar das pedras no chão e dos espinhos ao redor era uma loucura! E quando tinha que escolher um dos 2, não tinha dúvida, ia no espinho! E vou te falar... Se fosse pra subir por onde eu desci... Sem chance! Impedalável (podem por essa no dicionário)! Mas nada de pneu furar ou rasgar. Chegamos inteirinhos, eu e a Poderosa. Inteiro, mas cansado. Muito cansado. Até porque tive que dar uma acelerada e tanto pra poder chegar a Villafranca a tempo de ver o jogo do Brasil. E foi a conta certinha. Incrível! Passei no albergue, peguei minha cama e pensei em tomar um banho. Já eram umas 15:40. Mas o banheiro tava cheio e desisti de esperar. Troquei a bermuda, pus um chinelo e fui procurar um lugar pra ver o jogo. Cheguei num bar que tinha televisão e, antes mesmo de sentar ou pedir algo, perguntei se podiam por no jogo do Brasil. A mulher que me atendeu disse que sim, sem problema. Sentei e ela trocou de canal. Começou o hino do Brasil na hora! De arrepiar! Mesmo com o som baixinho da tv.

O jogo foi até bem movimentado mas não gostei nada da seleção. Ah, Dunga! Dá seu jeito! Agora vim pro albergue e acho que não saio mais. Tem jogo da Espanha daqui a pouco mas tô muito cansado e acho que vou passar.