Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Cheguei! Finisterre! O fim da Terra! 887,8 kms depois e 2 quilos a menos.
Que dia! Não sei nem por onde começar direito.
Bom... Acordei cedo e confesso que foi muito difícil retomar a rotina do Caminho depois de um dia de folga. O percurso começou com uma trilha cheia de pedras e escassa de peregrinos.
Um dia cinza. Não pelo céu, que bem azul prenunciava muito calor pela frente, mas pelo sentimento. Dizem que os elefantes sentem a morte chegar e se afastam do bando para morrer. Era um pouco assim que eu me sentia. Sabia que a "morte" estava próxima. A morte de uma vida diferente, de uma vida que tinha se iniciado dia 15 em Saint Jean e tinha data de validade. Sentia que estava acabando. E ao mesmo tempo em que já mal suportava aquela rotina dura, nao queria "morrer". Já sentia falta de tudo aquilo. Os olhos se encheram de lágrimas. Sentia saudades de pessoas que mal tinha conhecido, de pessoas com as quais tinha trocado apenas sorrisos. Que loucura!
Logo no início um tombo nas pedras me fez despertar. Era como se dissesse: "Ainda não acabou! Ainda tem 90 kms pela frente!". Entendi o recado. Concentração e foco. O trecho de Santiago a Finisterre era pra ser feito em 2 dias, de acordo com meu cronograma. Mas a ansiedade de chegar logo ao Fim da Terra me fez por na cabeça que esse dia só terminaria em Finisterre.
Como eu disse, poucos peregrinos no caminho para Finisterre. A maioria vai mesmo só até Santiago. Mas o simbolismo de chegar até o Fim da Terra mexeu comigo. Segui por muitos e muitos kms sozinho e sem ver praticamente ninguém pelo caminho. Melhor assim. Mais tempo pra pensar, refletir. Fazer um balanço dessa "vida" tão maluca.
Sobe, desce, sobe denovo, torna a descer... Assim foi por longuíssimos 70 e tantos kms. Mas numa dessas subidas... Cara! Foi incrível. À medida em que ia subindo, ia surgindo no horizonte, bem ao fundo, o azul do Oceano Atlântico! Mal conseguia acreditar no que estava vendo! Foi muito emocionante! Gritava feito um louco! Não sabia se tirava foto, se ficava lá parado olhando... Foi muito intenso. Subi na Poderosa de novo e fui descendo morro abaixo aos gritos e gargalhadas! Foi engraçado demais!
E assim foi por um bom tempo. Descendo, gritando, gargalhando. E quando dei por mim estava lá embaixo na praia. Não pensei 2 vezes. Deixei a Poderosa num canto, tirei o capacete, os tênis, e sai correndo pro mar. Um mergulho no Atlântico! Que água fria! Mas acho que foi o melhor mergulho da minha vida! Me sentia leve, de alma lavada. Mal lembrava que ainda faltavam mais uns 10 kms até Finisterre (aquela praia era antes de Finisterre). Por algum tempo fiquei ali em pé na areia da praia. Olhava o mar, lembrava de tanta coisa que tinha vivido no Caminho, pensava: "Eu consegui, eu consegui!". Que sensação boa! Mas e os 10 kms que ainda faltavam? Bom... É melhor puxar o barco logo, afinal já são quase 6 da tarde.
Segui pra Finisterre. E ainda tive que aturar uns bons kms de subida. O Caminho terminava no Farol do Cabo de Finisterre, bem no alto de um morro. Subi até lá enfrentando uma ventania que, às vezes, parecia que ia me jogar no chão. Mas isso não era nada perto de tudo que já tinha enfrentado pra chegar até ali.
Já no Farol, muitas fotos e muita contemplação. Cara, é o Fim da Terra! O ponto mais extremo do oeste da Europa. Ficava imaginando que do outro lado daquela imensidão de água estava o Brasil e junto dele meu Outro Caminho.
Às vezes penso que o Caminho tem um "que" de Big Brother. Agora acho que entendo um pouco quando aquele povo, lá dentro daquela casa, diz que aquilo é outro mundo, um mundo paralelo, um mundo dentro de outro mundo. O Caminho é assim. A gente vive essa "vida" intensamente e esquece de todos os outros problemas, de todas as outras preocupações que outrora nos cercavam. Nossas preocupações são tão simples... Acordar, tomar um café da manhã, pedalar, pedalar, pedalar, almoçar (quando é possível, rs...), jantar, dormir...
Outras vezes o Caminho se parece com A Caverna do Dragão. A gente pedala, pedala, pedala, sem saber direito aonde vai chegar, ou mesmo se vai chegar.
Mas se o Caminho é uma "vida", acho que foi uma vida bem vivida. Cheia de tombos (muitas vezes literalmente), voltas por cima, sofrimentos, alegrias, sorrisos, lágrimas, encontros, desencontros... Como uma vida deve ser.
Foi uma experiência ímpar na minha vida e queria muito agradecer a todos que de alguma maneira fizeram e fazem parte dos meus Caminhos. Não só deste que termina hoje (termina mas não acaba) aqui em Finisterre, mas, principalmente, Daquele que ainda há de ser muito longo e cheio dos mesmos tombos, voltas por cima, sofrimentos, alegrias, sorrisos, lágrimas, encontros, desencontros... Obrigado a todos!
E foi assim que cheguei ao Fim da Terra.
O Atlântico surgindo ao fundo! |
O marco zero do Caminho! |
No farol do Cabo de Finisterra. O Fim da Terra, literalmente. |